The Lurker: Diário de uma Terra Estranha - Caderno II (Miami - Philli)
Dormindo uma noite inteira com a cabeça pendendo, mesmo escorada na fuselagem, torna impossível escapar do torcicolo ao despertar. Como diria o gênio do Aladin "ten thousand years can give you such a crick in the neck!". Ninguém que tenha experimentado a classe executiva, como fiz em viagens a Manaus, Recife e similares, deixaria de sonhar com poltronas que reclinem um pouco mais... as desta lata de sardinhas não chegam sequer aos 35 graus (de angulação, não de temperatura).
Por conseguinte, o descanso não é repousante. A posição, contudo, é confortável o suficiente para que o vivente ressone até que, como de praxe, seja seqüestrado do sono inquieto pelo sacudir dos carrinhos de amenidades do café-da-manhã. Com o alvorecer festivo vem a triste descoberta de que meu temor se concretizou: a mal-amada acompanhou-me à aeronave.
- Deve ter não somente visto de entrada, mas também um greencard, resmungo, enquanto uma discreta dor nas têmporas começa a escalar para a fronte. Felizmente contentou-se com este tanto.
Aceito a lavagem que a American Airlines oferece e tenho o primeiro contato com a cultura estadunidense: o café aguado, com gosto de cinza e servido em baldes. Cristo, como será que eles tomam estas coisas? Não é à toa que andam tão mal humorados. Mas com a indesejável a martelar-me o crânio, não cabe discussão - toma-se o troço e espera-se um milagre.
Finalmente aterrisa-se. Vamos à temida imigração. Filas imensas para não estadunidenses. Gente falando um espanhol esquisito pelos alto-falantes (quando falam em inglês, dói mais ainda ao ouvido). Filas pequenas para os americanos, filas estas que, é preciso que se diga, andam bem rapidinho em comparação com as dos demais mortais. Eis que passam as alemãs do aeroporto, céleres em direção à fila dos nativos. Não posso deixar de pensar se Maurício e seus capangas teriam se divertido com a conversa fiada da noite passada.
Nisto noto que uma parte da ficha de imigração não está preenchida. Cáspite, e eu sem caneta. Cercado por um chinês e um chileno, fiquei tentando lembrar-me como se diz "esferográfica" (*) em castelhano, para tirar uma onda com o colega sul-americano. Mas quem disse que a memória facilitava? Acabei rendendo-me ao fato de que a esclerose se instala e pedi, o empréstimo em inglês mesmo. Seguem-se as perguntas de praxe, o olhar de enfado do "imigration officer Juarez", a identificação digital e foto (com barba por fazer e cabelo em desalinho? Falta de juízo...).
Saindo do estágio de uma hora na sucursal do inferno, vamos rápido e sem mais delongas pegar a conexão, certo? Errado. A paranóia instalada persegue os viventes, na forma de cães farejadores, revistas a bagagens e tratamento rude. E nós, que criamos tanto caso no Brasil, por muito menos... Assim que fiquei livre, corri rumo ao vôo para Philli como o beduíno sedento busca o oásis. Com efeito, o aeroporto de Miami continua a mesma bagunça dos anos 80.
Chega-se, finalmente, à Philadelphia somente para descobrir as maravilhas da Infraero: que aeroportozinho de quinta. Tudo bem, não é internacional, mas vão tomar banho: duas esteiras de bagagem e fim de papo? Sheesh - lá se vai mais uma hora. Em teoria devia haver uma van ou coisa que o valha (se segura, Ed. Motta), paga pelo congresso para levar os incautos ao hotel. Na prática, a teoria é outra: take a cab, take the bus, take a hike. Move it or loose it! E o taxista com cara de síndrome de abstinência e falando um Guetho incompreesível me escalpela em 35 verdinhas plus tip para deixar-me no Marriot. Ah, quer saber, deixa p'rá lá - estou cansado demais para discutir, preciso de um banho, comida de gente e um expresso. Mas victoria est intrare, como diriam os romanos. Dezoito horas depois da decolagem inicial em Bsb chego ao destino. Mas, como de hábito, nem tudo é como se espera que seja...
(*) tarde demais, lembrei-me da palavra: bolígrafo.
The Lurker Says: It is only in our decisions that we are important . (Jean-Paul Sartre)
A seguir o Caderno III (Nem tudo que balança cai.)
abril 01, 2005
Assinar:
Postagens (Atom)